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Motociclistas dormem na estrada e são escoltados pela polícia argentina

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21/03/2020 04h00

André Luiz dos Santos e os amigos tiveram de se proteger do sol escaldante da região do chaco argentino debaixo de caminhões

"A gente veio atrás de aventura e desta vez acho que a gente conseguiu. Teremos muita história para contar", assim o dentista André Luiz dos Santos, 42 anos, encerra o relato da saga do grupo de seis amigos motociclistas brasileiros para deixar a Argentina em meio à pandemia de coronavírus. A viagem de moto pelo país vizinho começou em 7 de março, mas acabou com eles tendo que "sair correndo de lá". Foram surpreendidos pelo fechamento das fronteiras argentinas, em 16 de março, ordenado pelo presidente Alberto Férnandez para conter a propagação da doença. No caminho de volta enfrentaram hostilidade por parte da polícia e da população para retornar ao Brasil.

Decidiram voltar quando estavam em Cafayate, norte da Argentina, na última quarta-feira (18/3). Na estrada encararam dezenas de bloqueios policias até Termas do Rio Hondo, onde é realizado o GP da Argentina de MotoGP (cancelado neste ano), e encontraram a cidade fechada. "A polícia nos proibiu de entrar na cidade. Nos conduziram com duas motos na frente e um carro atrás e nem deixou que parássemos para abastecer as motos", conta André.

A situação se repetiu em outros lugares. "Tentávamos entrar na cidade, vinham os batedores e nos expulsavam", relata. "Até mesmo nas cidadezinhas pequenas estava tudo trancado. Ou tinha carro de polícia ou cancelas que impediam a passagem".André em um dos muitos bloqueios nas estradas argentinas; ele e seus companheiros rodaram mais de 2.100 km, durante um dia e meio sem dormir, antes de voltar ao Brasil

Nos poucos postos, o grupo tentava parar para abastecer e logo aparecia uma polícia para escorraçá-los. "Mas quando digo escorraçando, eu digo escorraçando mesmo, com agressividade", explica o motociclista.

A polícia aparecia em todo lugar que paravam. Até mesmo para tomar um café. Segundo André, a impressão era de que os moradores foram orientados a chamar as autoridades ao ver um estrangeiro parado em algum lugar. E foi assim o dia inteiro. Até chegarem à região do chaco argentino, onde faz muito calor, e havia um bloqueio. Para se proteger do sol escaldante da região, entraram embaixo dos caminhões, também parados na estrada, por mais de quatro horas.

Depois de muita confusão, conseguiram passar. Rodaram durante a madrugada até a cidade de Resistência, ainda na Argentina, onde chegaram por volta das 2 h da manhã. A cidade, de novo, estava fechada. "Então veio um coronel dando duro na gente por estarmos rodando. Explicamos que estávamos tentando voltar para o Brasil", diz. A escolta, mais agressiva, novamente não permitiu que abastecem as motos. "Paramos em outro posto, mais à frente, pois quase nenhum mais tem gasolina. A mesma coisa. Insultos. Diziam 'vai embora, volta para sua casa"', relembra ele.

Celeiro como hotel

Mortos de sono, após rodar quase o dia e a noite inteiros, às 5h da manhã de quinta (19/3), os seis motociclistas pararam em um local isolado, com quatro casinhas, onde um senhor ofereceu a eles o celeiro para dormir. "Tinha uma cadela com 13 filhotes fazendo barulho e alguns ratos", lembra. Mas o sono foi interrompido, mais uma vez, pela chegada dos policiais. "Acredito que algum dos vizinhos dedurou e fomos expulsos", afirma.

Quando estavam quase chegando próximos à fronteira com o Brasil, ainda na cidade argentina de Misiones, estava tudo bloqueado. "Aí bateu o desespero. Não tem hotel, não tem o que comer, não tem nada para fazer, as pessoas não permitem nossa presença e não deixam a gente ir embora. Bati boca com a polícia, perdi a linha. Os policiais apontaram armas para as nossas cabeças e queriam nos prender. Deu um rolo enorme." conta o dentista. Conclusão: não conseguiram seguir viagem.

Decidiram, então, rumar ao sul, e tentar entrar no Brasil pela cidade gaúcha de São Borja. A esta altura, o grupo já tinha perdido a compostura. "Todo lugar que a gente ia, discutíamos com os guardas", revela André.

Finalmente, depois de mais de um dia e meio de viagem de moto na estrada, 2.100 km percorridos e três horas de sono, conseguiram atravessar a fronteira. "Quem me mandou mensagem, me desculpa eu não vou responder. Tomei um banho gostoso, e vou dormir aqui no hotel em São Borja, onde ainda não há nenhum caso confirmado da doença", afirmou André na mensagem enviada para um grupo de motociclistas no WhatsApp, na última quinta-feira, 19 de março, às 17h.

Viajante solitárioDécio também enfrentou problemas para voltar do Chile, atravessando a Argentina para chegar ao Brasil

O motociclista Décio Macedo, 51 anos, também enfrentou essa epopeia, porém sozinho. Em 7 de março, o administrador de empresas de Jundiaí (SP), entrou no Chile, em direção ao deserto do Atacama. Desceu até Copiapó, de onde atravessaria o Paso de San Francisco, a 4.700 m de altitude, de volta à Argentina, quando soube do fechamento das fronteiras. Mesmo assim, decidiu seguir viagem.

"Passei todos meus dados aos oficiais da fronteira e as informações de onde ficaria hospedado", conta ele. Meia hora após chegar ao albergue, um agente sanitário e um policial foram procurá-lo. "Eles fotografaram meus documentos e me orientaram que eu teria de ficar 14 dias naquele hostel com todas as despesas sendo pagas por mim. Tanto eu como a dona do local", contou ele em relato à Infomoto.

Autorizado pela diretora de um hospital a seguir viagem. Saiu no dia seguinte (15/3), às 8h da manhã, também escoltado pela polícia. Décio acabou encontrando outros motociclistas brasileiros e enfrentaram os mesmo problemas. Recorreram até ao consulado brasileiro na Argentina para poder seguir viagem.Na fronteira, oficiais argentinos verificam os documentos de luvas e máscara

Passaram pela mesma região de André e seus amigos e foram autorizados a seguir, mas sem parar. Apenas para abastecer. "Um policial me abordou em um posto e me ordenou a voltar para o Brasil o mais rápido possível", conta.

Foram proibidos de pernoitar no hotel em Corrientes e até mesmo de entrar em uma loja para comprar água. Em resumo, também entraram no Brasil por São Borja (RS). "Mas há ainda muitos viajantes de toda parte do mundo que estão presos nos hotéis. Têm dificuldade para se manter por 14 dias, não previstos, no mesmo lugar, arcando com hospedagem e alimentação. Meu conselho é tentar voltar rápido ao Brasil, procurar orientação do consulado. A situação na Argentina está bem complicada, com diversas restrições", finaliza. (Texto Arthur Caldeira/ Fotos Arquivo pessoal)

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Arthur Caldeira, jornalista e motociclista (necessariamente nessa ordem) fundador da Agência INFOMOTO. Mesmo cansado de ouvir que é "louco", anda de moto todos os dias no caótico trânsito de São Paulo.

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